Os Templários e o Embate com Felipe o Belo

Paralelamente a todos os conhecimentos provindos das catedrais e da Universidade de Paris,  formava-se  na França uma ordem militar e religiosa de cavalaria – os Cavaleiros Templários . Originalmente tinham o propósito  de proteger e lutar pelos os cristãos nas Cruzadas, aquelas guerras proclamadas pelo papa em defesa da cristandade e travadas como se fossem iniciativas de Cristo para recuperar as regiões cristãs invadidas pelos mouros.

Devidamente aprovada pelo papa, a Ordem dos Cavaleiros Templários ganhou isenções e privilégios, dentre os quais comunicar-se diretamente com ele,  sem a necessidade de negociações com o rei. Seus membros faziam voto de pobreza e castidade e assim tornavam-se monges, eram austeros e defendiam os cristãos com bravura nas peregrinações à Terra Santa. Elevaram a ordem a ponto de torna-la uma das favoritas da cristandade, crescendo rapidamente em membros e em poder. Altamente qualificados,  os habilitados para combate seguiam com as Cruzadas, e aqueles que demonstravam outras qualidades, como capacidade de administração e tino financeiro, geriam a estrutura econômica,  inovando técnicas financeiras que viriam a se constituir no embrião do sistema bancário.

Com o passar do tempo, cada vez mais ricos e poderosos, estabeleceram  grande rede de influência na Europa. Entretanto, com a derrota da última Cruzada, quando os muçulmanos conquistaram a última cidade cristã na Terra Santa, o poder dos Templários  foi abalado. O rei da França, Felipe o Belo, descontente e endividado começou a persegui-los, já que  medidas anteriores como desvalorização da moeda entre 1290 a 1309, perseguição aos judeus tomando-lhes  bens e expulsando-os dos territórios franceses e confisco  dos bens dos banqueiros lombardos e de alguns de abades,  mostraram-se insuficientes.

O poderoso Felipe, rígido, severo e   solene, entrou em conflito com o clero, particularmente com o papa Bonifacio VIII, quando lançou impostos sobre a igreja, iniciando aí sério conflito com o papado. Depois de muitas discussões, com idas e vindas de ambas as partes, Bonifácio VIII compôs uma bula declarando superioridade do poder espiritual sobre o poder temporal, e por consequência a superioridade do papa sobre os reis. Ou seja, a instauração da teocracia em toda a Europa. Felipe o Belo reagiu energicamente, e ameaçado de excomunhão pelo papa,  enviou seu conselheiro Guilherme de Nogaret com escolta armada até Roma com a finalidade de prende-lo e levá-lo a julgamento. Foi o atentado de Anagni, um dos grandes escândalos do reinado: o papa foi esbofeteado, caiu, a violência perturbou-o mentalmente e morreu logo a seguir.

Num clima conturbado o novo papa, Clemente V, de origem francesa, foi induzido pelo rei a morar em Avignon e não em Roma, dando origem ao Cisma de Avignon, quando duas facções da igreja católica  dividiram o clero. A Europa, então, se deparou com dois papas: um em  Roma e outro francês em Avignon.

Felipe o Belo, com graves problemas de caixa, aliou-se ao papa Clemente V e para conseguir desbancar e confiscar os bens  dos Templários e também para livrar-se desse incômodo poder paralelo; para isso  valeu-se  da estratégia do descrédito e da heresia. Conseguiu a prisão de centenas de cavaleiros  em toda França, colocou-os em masmorras e submeteu-os a grandes  torturas para confessar heresia. Julgados e entregues aos inquisidores dominicanos, os monges  foram condenados à fogueira pelo tribunal da Inquisição pelos crimes de heresia, apostasia, idolatria e sodomia. O papa Clemente V extinguiu a ordem, retirou a proteção do clero e anulou o estatuto eclesiástico dos Cavaleiros Templários. Com isso, Felipe se apoderou das riquezas confiscadas  e acabou com o sistema bancário monástico.

Martyr Molay
1314, Jacques de Molay (c. 1244 – 1314), the 23rd and Last Grand Master of the Knights Templar, is lead to the stake to burn for heresy. He is shouting to Pope Clement and King Philip that they will face ‘a tribunal with God’ within a year. They both died soon (Photo by Hulton Archive/Getty Images)

Em 1314 o último grão mestre Jacques de Molay, como os demais monges templários, foi queimado vivo em praça pública de Paris (hoje Place Dauphine). Enquanto ardia, Jacques lançou uma maldição sobre o rei, o papa e o conselheiro Guilherme de Nogaret. Afirmou que os três seriam convocados perante o tribunal de Deus no prazo de um ano e também que a dinastia dos Capetos se extinguiria sem descendentes.

Acredite-se ou não, o fato é que os três morreram no prazo de um ano e a descendência dos capetos não prosperou. Felipe o Belo tinha quatro filhos, sendo três homens e uma mulher, Isabel, casada com o herdeiro do trono da Inglaterra. Seus filhos varões foram publicamente traídos quando suas mulheres  se envolveram em escândalo de adultério no célebre caso da Torre de Nesle, crime esse de lesa-magestade que, mesmo com a condenação e morte dos amantes em praça pública, marcou a história da França com graves consequências na linha sucessória do trono.  A coroa ficou desacreditada, o que condicionou os reinados dos três filhos do rei até  1328 quando da morte de Carlos IV, o último filho que morreu sem descendente do sexo masculino.  Ancorados na lei sálica que consagrava a progenitura masculina e eliminava as mulheres da ordem de sucessão, a coroa passou para o irmão de Felipe o Belo, Carlos de Valois, que deu inicio à próxima dinastia francesa. Essa sucessão foi contestada energicamente por Eduardo III, rei da Inglaterra, casado com Isabel, filha do rei. Estava lançada a semente da Guerra dos Cem Anos travada entre França e Inglaterra.

Em 1414 o Concílio de Constança resolveu o problema do papado e a sede do poder eclesiástico voltou para Roma. O coração de Felipe o Belo foi transportado para o Mosteiro de Poissy, assim como também a cruz dos Templários, e lá permaneceu até 1695, quando um raio atingiu a igreja e o mosteiro, destruindo a cruz e o coração do rei. Sua sepultura em Saint Denis foi profanada na Revolução Francesa.

Moral da história: Todo cuidado é pouco. Grandes atos têm grandes consequências!

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