Dores, lutas e o surgimento de Joana D’Arc

O problema da peste negra ou peste bubônica integrou a serie de acontecimentos que contribuíram para a crise da baixa Idade Média, ao lado das revoltas camponesas, da Guerra dos Cem Anos e do declínio da cavalaria medieval. A peste que dizimou um terço da população europeia teve origem no continente asiático e está relacionada às caravanas de comércio que vinham da Ásia através do Mar Mediterrâneo em navios infectados que aportavam em cidades costeiras como Gênova e Veneza. As precárias condições de higiene e habitação das cidades e vilas medievais deixavam as comunidades desprotegidas e faziam com que grandes centros comerciais europeus, inclusive os franceses, se tornassem ninhos perfeitos para ratos carregados de pulgas que transmitiam a peste bubônica, alastrando-se por quase todo o continente. As autoridades e o clero não tinham conhecimento das razões da doença e dos métodos de cura e assim, baseados em superstições, recomendavam restrição de banhos, expulsão de estrangeiros e judeus que migravam de um país para outro, um amontoado de boçalidades que só faziam aumentar o número de vítimas.

A França sofria todos os problemas decorrentes da epidemia da peste, enfrentava várias manifestações de mal-estar social, além da guerra sangrenta com a Inglaterra. Com a economia em frangalhos, os custos da guerra continuavam a se avolumar e, piorando a situação, durante o reinado de Carlos  VI, o rei inglês Henrique V invadiu a França, derrotou seu exército na Batalha de Azincourt e tomou o controle da maior parte do país.

A partir daí a Inglaterra exerceu grande domínio sobre a França e o delfim francês não mostrava a capacidade necessária para ser reconhecido como líder. A revitalização francesa só se iniciou com o surgimento de uma camponesa pobre e analfabeta, Joana D’Arc.

Joana nasceu por volta de 1412 em Domrémy, na região da Lorena. Religiosa, alegou em julgamento ouvir vozes divinas desde os treze anos. Inicialmente ficava amedrontada, mas como as vozes eram frequentes, entendeu serem mensagens para que ela empreendesse um levante capaz recuperar o domínio francês e fazer coroar o rei legítimo, Carlos, o delfim. Sentia-se  divinamente orientada pelas emanações, e movida pela fé e pela certeza de poder empreender um levante capaz de restabelecer a coroa da França,  não teve dúvidas em cortar seus cabelos, vestir-se como soldado e se dirigir a Vaucouleurs, para recorrer a Robert de Baudricourt, o capitão da guarnição francesa. Depois de insistentes pedidos e alegações durante quase um ano, Joana conseguiu que Baudricourt destacasse uma escolta para acompanhá-la  por longo percurso de possessões inglesas  até Chinon, onde estava  Carlos, o delfim da França.

Nessa altura dos acontecimentos Joana já dispunha de grande popularidade, mas o delfim,  inseguro e desconfiado, fez com que ela passasse por várias provas em Poitiers, inclusive interrogatórios e investigações. Ao final, convencido de sua coragem e determinação, autorizou-a a acompanhar as tropas que seguiam para Orléans, invadida pelos ingleses, a fim de libertar a cidade. O fato é que, lutando pessoalmente ou não, ela incentivou os soldados, participou de conselhos de guerra, e a partir daí o fervor patriótico e religioso reascendeu nas tropas com aproximadamente 4.000 homens. A vitória francesa se deu em 8 de maio de 1429.

Com a vitória em Orléans, Joana acompanhou Carlos até Reims, passando por caminhos difíceis, mas aí sua  fama já estava estabelecida em boa parte do território e despertava  temor e respeito. A coroação e consagração de Carlos VII se deu na Catedral de Reims  em 17 de julho de 1429, fato que foi assistido por Joana em posição privilegiada. Esses fatos reascenderam as esperanças dos franceses de se libertar dos ingleses e representaram a virada da Guerra dos Cem Anos.

Paris precisava ser libertada. Sempre participante, Joana  foi atingida por uma flecha numa das tentativas de libertar a cidade, o que  desestimulou o exército. Esse foi um dos fatos que fez com que o rei  batesse em retirada e não demonstrasse mais intenção de guerrear, mas sim de tentar uma vitória baseada em tratados de paz. Joana, por seu lado, continuou sua jornada, desta vez tentando libertar Compiègne, mas durante o ataque no Campo de Margny foi dominada e capturada. Presa logo a seguir, foi vendida aos ingleses  e encarcerada em cela escura.

O processo contra Joana D’Arc começou em 9 de janeiro de 1431, chefiado pelo bispo Pierre Cauchon e desse dia em diante começou seu martírio de cárceres e interrogatórios num processo que passou à posteridade. A tudo respondeu com voz firme e palavras claras, mas mesmo assim,  depois de longa agonia foi condenada pela Igreja por heresia e impiedade. Tornou-se bruxa e blasfema, o que configurou  a necessidade de se ocultar o significado político de sua condenação. Aos 30 de maio de 1431,  foi queimada viva em Rouen.

Martir pela Pátria e pela Fé,  Joana D’Arc  foi  considerada inocente pelo papa Calisto III em 1456. Em 1909 a Igreja Católica autorizou sua beatificação. Em 1920 foi canonizada pelo papa Bento XV. É a santa padroeira da França.

A Guerra dos Cem Anos acabou em 1453, mas o tratado de paz só foi assinado em 1475. E Paris foi retomando seu ritmo de vida…

 

Deixe um comentário