Sucessão e Queda da Monarquia

Em contraste com o reinado de Luis XIV, o de seu bisneto Luis XV caracterizou-se por lutas entre facções cortesãs e pela fracassada política externa. Luis XV, o Bem Amado, teve educação excelente, foi ávido leitor, com mente aberta e gosto eclético, criador, inclusive,  de estilo na arte decorativa; entretanto, não se revelou bom governante. Mergulhado em seus próprios recursos intelectuais, resolveu governar sem primeiro ministro, o que se mostrou desastroso administrativamente. Fracassou em realizar reformas, favoreceu a prosperidade da aristocracia e da alta burguesia num país  arruinado  financeiramente, esbanjou enormes fortunas  com a corte e suas famosas amantes, dentre elas Madames Pompadour e Du Barry que interferiam nas atividades do reino, ou seja, com seu modo de administrar  o rei afetou o prestígio da coroa perante o povo e com tanto desgoverno  deixou para seu sucessor Luis XVI um pais insolvente. Sem querer, Luis XV preparou a revolução republicana.

A responsabilidade de enfrentar a crise recaiu sobre Luis XVI, um jovem  indeciso que, despreparado, aos 21 anos foi coroado rei dos franceses. Assumiu o poder em meio a altas despesas provocadas por guerras, extravagâncias da corte, baixa arrecadação e consequente necessidade de aumentar impostos. Se Luis XIII e Luis XIV reconstruíram a economia francesa, Luis XV a dilapidou e Luis XVI , embora esforçando-se para reergue-la, herdou uma situação impossível de ser revertida. Pagou por todos os seus antecessores. Há que se considerar que vários fatores  nesse final de século XVIII  contribuíram para a queda da monarquia e para que a ideia de revolução se intensificasse.

A Revolução Industrial na Inglaterra vinha despertando grande interesse no povo francês. Afinal, lá se criou uma classe independente do poder monárquico, a classe média; além disso, o poder de governo foi transferido para o parlamento, mesmo sem destituir o rei, gerando um sistema político – a monarquia constitucional. E mais, a Revolução Industrial transformou o dinheiro e o empreendedor em indústria, tirou o trabalhador da condição de servidão  e o transformou em mão de obra. Dessa maneira, formou o primeiro estado capitalista. Eram transformações significativas e de grande interesse popular.

Em 1776 a, França engajou-se ao lado dos americanos na guerra de independência contra a Inglaterra. Esse fato onerou os cofres franceses já tão dilacerados além de representar uma rebelião contra a monarquia opressiva onde se materializaram os valores de igualdade e liberdade. Incoerências, maus gastos e ideias republicanas só refletiram desastradamente no governo do rei.

Em consequência do aprimoramento da imprensa, a difusão de jornais aumentou e consequentemente aumentaram as informações a respeito dos países, seus governos, suas conquistas e seus desmandos. Lia-se constantemente ataques ao regime monárquico francês, inclusive com sérios ataques à rainha Maria Antonieta, a austríaca detestada pelo povo,  considerada usurpadora, sem moral e demasiadamente intrometida em negócios de Estado.  Além disso,  a França já contava com os famosos cafés e sallons que se tornaram ponto de encontro de artistas, filósofos e intelectuais iluministas que influenciaram os revolucionários de 1789 e contribuíram para mudar os rumos da história.

Em 1788 a França  estava mergulhada na mais séria crise financeira provocada por reiterados erros administrativos e foi um ano com clima atípico. Além da grande penúria que assolava o povo, temperaturas absurdamente baixas no inverno chegando a 30 graus negativos impediram o abastecimento de Paris e o funcionamento dos moinhos movidos a água. Os rios congelaram, a primavera foi seca e no verão uma grande tempestade acabou com as lavouras. Fome e frio  tornaram-se  combustíveis poderosos de revolta para um povo que estava morrendo.

Luis XVI quis reagir: convocou os Estados Gerais em busca de rumo, mas a assembleia composta por aristocratas, burgueses e intelectuais que representavam o povo, de início já se posicionou contra a monarquia. Ele tentou obrigar o parlamento de Paris a aceitar os editos reais que privavam os parlamentares de seus poderes políticos e em consequência, enfrentou grande resistência por parte de juízes, cléricos e parlamentares que bloquearam todos os projetos de reformas apresentados pelos ministros do rei. Além disso,  conseguiram  apoio do exército e da população afetada pelos altos índices de desemprego e pelo alto preço do pão.

Num primeiro momento, mesmo os inimigos do regime não pensavam em derrubar a monarquia. Pretendia-se reformas, fim do Absolutismo e  de privilégios. Mas nesse momento não existia na França uma classe média capaz de lidar com esse momento crucial; era o povo faminto contra a monarquia incompetente.  Luis XVI não teve firmeza necessária  e se deixou levar por influências vazias de conteúdo.

O fato é que os revolucionários derrubaram a Bastilha num grito de independência, um ato simbólico que deflagrou a revolução popular. Depois disso, por mais três anos, Luis XVI continuou reinando mas se viu obrigado a aceitar reformas e colaborar com forças emergentes do Terceiro Estado. As insurreições ocorriam tanto na cidade como no campo e em meio a todos os acontecimentos, a recusa do rei em eliminar resquícios feudais do regime e assinar decretos anticlericais despertaram a ira do povo faminto ancorado na radicalização revolucionária, o que  precipitou os acontecimentos. A família real que estava recolhida em Versailles foi forçada a voltar a Paris.

O final, todos sabemos. Na tentativa de fugir para a Áustria o rei e sua família foram descobertos em Varennes e posteriormente detidos em prisão domiciliar no Palácio das Tulherias. O rei foi para Temple e guilhotinado; Maria Antonieta foi para a Conciergerie, julgada, condenada e guilhotinada. Fim de um tempo de glorias, poder, beleza e muita fome.

Luis XIV

Há que se reconhecer que Maria de Médicis não passou pela história da França apenas como gestora desastrada. Teve seu valor explicitado, quando, por exemplo, com seu bom gosto toscano mandou construir o belo Jardim de Luxemburgo com um prédio  requintado, um oásis no meio da cidade,  que até hoje encanta quem tem a oportunidade de caminhar por lá. Foi também avó de um dos  monarcas mais poderosos da história da  França, aquele que consolidou o sistema de uma monarquia absoluta  que perdurou até a Revolução Francesa: Luis XIV. Depois de mais de vinte anos, o primogênito de seu filho Luis XIII e de  Ana da Austria, nasceu  em 1638, e já foi batizado como Louis-Diedonné (Luis o presente de Deus), o sucessor, o futuro rei.

Luis XIV era irmão de Felipe I, duque de Órleans, aquele que, como diz a lenda,foi criado como menina para que com  sua homossexualidade e superficialidade não representasse entrave na disputa de poder com o irmão primogênito. Mantido prudentemente  à distância das decisões políticas, entretanto, com seu gosto refinado assessorou Luis XIV nas questões cerimoniais e de etiqueta, relevantes no reinado . Causou conflitos, ganhou batalhas  mas o que ficou para a história foi seu bom gosto na decoração do Palais Royal e do Castelo Saint Cloud. Coisas da nobreza…

Quando Luis XIII morreu o primogênito e herdeiro Luis tinha apenas quatro anos e dessa maneira a regência passou para sua mãe Ana da Áustria, que  confiou os poderes de Estado  ao cardeal  Mazarin, que por sua vez deu continuidade à centralização de poder iniciada pelo antecessor cardeal Richelieu. Com o final do período de regência em 1651, Luis assumiu o trono e foi coroado em 1654, mas Mazarin continuou exercendo os poderes de Estado até 1661, quando morreu.

A Guerra dos Trinta Anos terminou em 1648 e a seguir Mazarin enfrentou muitas lutas, inclusive a fronda (série de guerras civis ocorridas de 1648 a 1652 que eram a manifestação da decomposição do Estado e da sociedade francesa economicamente deprimida e com graves problemas de organização; tinha  por objetivo limitar o poder real e discutir abusos da corte), isto tudo  em plena Guerra Franco Espanhola de 1653 a 1659. Mesmo assim, ele deu continuidade à centralização de poder, impôs taxas aos membros do Parlamento que, inclusive se recusaram a pagar e anularam seus editos promulgados; Mazarin,  então,  mandou prende-los, ou seja, Paris ficou tomada por tumultos de toda ordem e a família real teve que deixar a cidade. Mazarin sufocou a fronda e garantiu a posse do novo rei em 1653. A situação  se normalizou com a assinatura da Paz de Vestfália, que restaurou o controle da Coroa sobre o exército francês.

Assessorado de perto por Mazarin, Luis XIV assumiu o governo com o tesouro real quase falido. Com a morte de Mazarin o rei  apoiou o conceito de direito divino dos reis e centralizou o governo a partir da capital. Realmente sua convicção era “o Estado sou eu”. Tentou eliminar os últimos vestígios de feudalismo que ainda persistiam no reino e pacificou a aristocracia oferecendo a muitos de seus membros a oportunidade de morar em Versailles – o palácio que mandou construir a partir  da cocheira de seu pai. Trazer a nobreza para perto de si foi uma estratégia singular já que de perto ele poderia observar e controlar  melhor  os arroubos, ganância e intrigas da nobreza.

Como vimos, o esplendor dos  54 anos de reinado de Luis XIV teve antecedentes importantes mas ele soube enfrentar o poder com sabedoria e autoridade, até os problemas religiosos, já que a revogação do Edito de Nantes teve graves consequências políticas e diplomáticas. Mesmo usando largas somas do tesouro real com as pompas e o luxo da corte, a economia foi reativada, desta vez com o auxílio do ministro Jean Baptiste Colbert. Novas concepções mercantilistas foram postas em execução multiplicando as exportações francesas e assim foram criadas a marinha mercante, fábricas, fábrica de móveis para a corte com influência italiana e flamenca com a supervisão de Le Brun,  estradas, pontes, portos e canais. Cidades foram embelezadas, imensos jardins foram criados e monumentos foram erguidos em toda parte. Além disso, ele  reorganizou o exército dando ao país o maior poderio militar da Europa. Fundou a Academia de Ciências de Paris, cujos membros deveriam produzir noções precisas, principalmente para a geração das inovações tecnológicas e científicas que tivessem aplicação na área militar. O rei amava a arte e assim patrocinou Lully, Moliere, Racine,dentre outros, grandes artistas que povoam até hoje a música e o teatro.

Casou-se com Maria Teresa da Áustria, filha de Felipe IV da Espanha e permitiu-se invadir os Países Baixos já que  considerava pertencerem à sua mulher por direito de herança. Teve êxito, o que lhe permitiu ditar as condições de paz. Concomitantemente teve muitas amantes, das quais Louise de La Vallière, Madame de Montespan e Madame de Maintenon, esta tida como segunda esposa do rei após a morte da rainha.

Teve vários filhos legítimos e bastardos, mas não conseguiu passar a coroa para nenhum deles, já que morreram precocemente em tristes circunstâncias. O Rei Sol morreu em Versailles e seu corpo repousa em Saint Denis. Foi sucedido pelo bisneto Luis XV.

 

Luis XIII

Nasceu em Fontainebleau em 1601, filho de Henrique IV e Maria de Medicis. Legítimo sucessor do trono francês, cresceu junto com todos os seus irmãos legítimos e bastardos e só saiu desse convívio quando seu pai o levou para viver no Louvre a fim de orienta-lo e  treiná-lo para a missão que o aguardava. Mas Luis não se interessava por estudos e problemas do reino e sim por caça e  prazeres da música. Porém, já aos nove anos, com a morte do pai, subiu ao trono e foi sagrado em 1610. Até atingir a maioridade em 1617 a regência ficou a cargo da rainha mãe Maria de Médicis. E aí temos um período de grandes problemas familiares e de governo.

Maria foi má gestora dos problemas do reino e criou uma série de  descontentamentos.  Insegura, na tentativa de reforçar seu poder,  aliou-se às damas de companhia, e ao amigo Concino Concini;  rompeu com a política de Henrique IV, e com  tantos desatinos  desencadeou reações adversas da nobreza. O príncipe Condé tentou estruturar uma oposição ao poder real mas não obteve êxito, já outros nobres, aproveitando-se da situação difícil, requereram compensações financeiras… E ela convocou os Estados Gerais em Paris.

Na tentativa de recuperar seu prestígio, Maria resolveu fazer acordos com a Espanha, através do casamento de seus filhos Luis XIII com Ana de Habsburgo, filha de Felipe III da Espanha,  e de  Isabel de Bourbon com Felipe IV da Espanha, irmão de Ana. Era 1615, e Luiz XIII, aos 14 anos, se sentia humilhado com a situação do país e com seu casamento com uma “simples espanhola”; recusava-se a consumar o casamento e só o consumou após quatro anos, ´por insistência do duque de Luynes.

As divergências entre Luis e a rainha mãe eram antigas, mas  se agravaram quando  o rei obteve sua maioridade e Maria o afastou do poder e do conselho alegando  incapacidade de um rei tão jovem  governar o pais, no que, convenhamos, ela estaria certa. Entretanto, ela deixou que dois de seus favoritos governassem o reino: os estrangeiros Concino Concini e Leonora Galigai. Esse fato enfureceu Luiz XIII, e, ao que tudo leva a crer, em 1617 ele tramou a morte de Concino Concini. Deu golpe de estado e subiu ao trono.

O início do reinado de Luis XIII foi tão tumultuado como o de Maria de Médicis, pois ele, fraco e imaturo,  também deu poderes e se deixava influenciar por favoritos sem qualquer capacidade administrativa,  a começar pelo duque de Luynes  que, inclusive,  acumulou títulos de nobresa e fortuna. Esses fatos desencadearam revoltas, inclusive da rainha mãe, que foi exilada num castelo por ordem do filho. Ela conseguiu escapar, recebeu como prêmio de consolação duas cidades e mais tarde, Anjou. Em Anjou Maria reuniu descontentes, montou exército, foi vencida, entretanto com a morte de Luynes mais uma vez conseguiu se recuperar, desta vez com o apoio do grande cardeal Richelieu.

Graças aos esforços de Maria de Médicis o rei recebeu Richelieu no conselho de ministros em 1624,  e  a partir dai seu reinado teve novo impulso. O cardeal tornou-se primeiro ministro, e com seu conhecimento e poder lutou contra diversas facções domésticas consolidando assim a  monarquia e transformando a França em estado forte e centralizado. Com ele o rei criou a Academia Francesa e para assegurar a tranquilidade do país nas fronteiras, Richelieu não hesitou, mesmo sendo católico, em lutar contra os Habsburgos católicos que governavam a Espanha de um lado da fronteira e os estados austríacos do outro, aliando-se, portanto, aos protestantes. Com isso, houve reação dos católicos ao redor de Maria de Médicis e de seu filho Gastão de Orleans, aspirante à sucessão do irmão. Exigiram que Luis abandonasse o cardeal, mas o poder de  Richelieu se mostrou mais forte. Dessa maneira a rainha mãe e seu filho Gastão  foram vencidos e ela mais uma vez foi exilada nos Países Baixos. Maria morreu em 1642, no mesmo ano que  Richelieu  e, após sua morte, Luis XIII pagou todas suas dívidas  e mandou trasladar o corpo para a Catedral Saint Denis.

A ficção mostra Luis XIII como o justo soberano a quem os  Mosqueteiros respondem e juram proteger com suas próprias vidas. Puro romance de capa de espada de Alexandre Dumas.

 

 

 

 

 

 

 

 

HENRIQUE IV

Filho de Antonio de Bourbon, duque de Vendôme, e de Joana III de Navarra, já aos 17 anos Henrique  distinguiu-se  como figura representativa dos huguenotes, inclusive subscrevendo o texto fundador da religião reformada. Considerado chefe do partido calvinista desde 1571, foi recebido por Gaspar de Coligny, líder dos protestantes.  Em 1572 tornou-se Henrique III, rei da Navarra.

Seu casamento com Marguerite de Valois, irmã de Carlos IX da França,  foi negociado entre sua mãe Joana III de Navarra  e Catarina de Médicis e, como já foi dito, um casamento que deveria significar união nacional revelou-se desastroso já na ocasião das cerimônias. Depois de todo o terror, Henrique foi forçado a se converter ao catolicismo e ficou preso na corte assistindo ao suplicio dos protestantes. Entretanto, com a morte de  Carlos IX conseguiu fugir, renegar sua abjuração  e reassumir a posição de chefe político e militar do partido huguenote. Já possuidor de territórios, condados e ducados, pelo tratado de Beaulieu obteve o governo da Aquitânia.

Reconciliou-se com o então rei Henrique III, seu cunhado, irmão de Carlos IX e filho de Catarina de Médicis, que o reconheceu como herdeiro. Sempre guerreando e se distinguindo ora com vitorias ora com derrotas,  em meio a todo tumulto religioso, em 1589 com a morte por assassinato de Henrique III, último da dinastia Valois, Henrique se tornou nominalmente o novo  rei da França como Henrique IV.

O inicio de seu reinado foi tumultuado. Como a maioria dos franceses não o aceitava, o novo rei teve que lutar militarmente por territórios,  contra os Guise católicos, contra a Espanha de Felipe II, e reconquistar Paris abastecida pelos espanhóis. Entendeu que para conquistar os franceses  seria necessário, pela segunda vez, converter-se ao catolicismo, renunciando assim ao protestantismo. E foi o que fez para conseguir apoio da maioria dos súditos católicos. É dele a frase “Paris vale uma missa”. Confirmou o catolicismo como religião de Estado, mas garantiu aos protestantes a liberdade religiosa pelo Edito de Nantes concedendo-lhes várias praças fortificadas onde seria permitido o exercício do culto reformado.

Sua coroação só aconteceu em 1594 e nesse mesmo ano entrou em Paris expulsando os espanhóis, mas a paz  entre França e Espanha só aconteceu em 1598 pelo Tratado de Vernins.

Nesse tempo a França estava com a economia destroçada após décadas de guerras e governos fracos. Henrique IV deu início à reconstrução do pais primeiramente chamando seu velho amigo, o  Duque de Sully para atuar como ministro; Sully o auxiliou na reformulação das forças armadas, na construção de fortalezas e, adepto ao mercantilismo e formação de mercado interno com protecionismo contra concorrência externa, conseguiu melhorar as condições da agricultura e da manufatura francesas. Além disso, com a racionalização da arrecadação de impostos, tornou possível o crescimento do tesouro real. Tais medidas foram substanciais para o  crescimento econômico e o retorno da paz da França, o que  concedeu novo padrão de vida à população.  Hennrique IV expulsou os espanhóis de Paris, comprou a adesão de dirigentes da Liga Católica dos Guise com o dinheiro dos impostos, e assim   a França  prosperou. Estradas e pontes foram reconstruídas,  a circulação de mercadorias foi normalizada e o rei se tornou popular.

Sob Henrique IV o Louvre  passou por reformas e foi ampliado, Paris ganhou novas praças como a Place Royale (atual Place de Vosges),   Place Dauphine e a Pont Neuf foi construída ligando as duas margens da Île de La Cité. Além disso, Henrique tomou medidas duras contra duelos entre nobres, que haviam se tornado comuns após o fim dois distúrbios.

Casou-se por procuração em 1600  com Maria de Médicis, unindo dessa maneira as culturas da Toscana e da França, e com ela teve vários descendentes reais. O desenvolvimento da língua e do pensamento na França provenientes dos reis do século XVII somado à influência da família Médici na família real francesa, ao longo do tempo fez com que  a  França se tornasse exportadora de estilo e objeto de cobiça por toda a Europa.  Esse contexto possibilitou o surgimento de grandes nomes do pensamento francês como Descartes, Montaigne e Pascal.

Por insistência de Henrique IV, Maria se tornou rainha, o que não o impediu de ter várias amantes e vários filhos bastardos. Educou todos os seus filhos juntos em Fontainebleau com muita atenção e fazia com que  Luis, seu filho com Maria de Médicis e herdeiro do trono, assistisse aos conselhos reais e participasse das recepções com embaixadores estrangeiros.

Como era sua meta, Henrique IV conseguiu que cada família francesa tivesse uma galinha na panela. Entretanto, esse homem de guerra completo, diplomata, realista, seguro e clarividente que sabia ser flexível e transigente numa época de fanatismo religioso,  foi assassinado em 1610 por Francois Ravaillac, um professor que se aproveitou da confusão causada por uma carroça de feno para golpeá-lo com duas facadas.

Maria de Medicis se tornou regente, pois o herdeiro  Luis era criança. Ao invés de continuar a política de Henrique IV que lutava para assegurar alianças com Estados protestantes, o que se viu no tempo desse novo governo foi uma política católica visando aliança com a Espanha. O corpo de Henrique IV foi embalsamado e sua cabeça, de tão preciosa, tornou-se objeto de desejo de vários colecionadores. Seus restos mortais repousam na Basílica de Saint Denis. Em 2013 seu rosto foi reconstituído e mostrado ao público.

 

 

 

 

 

Reação e Nova Queda com Problemas Religiosos

Apesar da evolução do saber iniciada na Sorbonne no século XIII, a França permaneceu  arruinada, desorientada e sem capacidade de se firmar como grande nação após longo período de turbulências. Mas em meados do século XVI um militar engenhoso, carismático e líder popular venceu os alemães do sul na Batalha de Marignan e se impôs como rei Francisco I. Resgatou o prazer de se governar um pais e entendeu que para  reergue-lo seria necessário  manter o poder militar unido, reconstruir a economia e fazer alianças estratégicas inclusive com protestantes, sem deixar de dar continuidade à educação e à cultura iniciadas por Carlos Magno nos colégios teológicos. Primeiro rei absolutista da França, Francisco I substituiu o francês pelo latim nos documentos oficiais, escolheu Paris como sede do governo  e  para isso mandou Pierre Lescot derrubar a antiga torre medieval do Louvre e em seu lugar  construir um palácio digno de receber um rei; também mandou construir a nova sede da prefeitura, o Hôtel de Ville, e ambas as construções se tornaram obras primas da arquitetura renascentista.

Francisco I mandou vir para a França o artista  italiano Leonardo da Vinci para projetar o castelo de Chambord, com quem manteve amizade até a morte de Leonardo, em seus braços. Atraiu para a corte artistas e poetas como Rebelais, o autor de obras satíricas como Pantagruel e Gargântua, iniciando aí o hábito de manter a arte, mesmo crítica, junto aos reis e à corte, e esse foi um dos fatos geradores do fim dos menestréis e dos trovadores que erravam pelas cidades desde o século XII. Esse período de apogeu cultural da nação francesa se consolidou ao longo do século XVI com Henrique II, Henrique III e Henrique IV.

Tudo transcorria com relativa tranquilidade quando um fato irrompeu trazendo nova e profunda turbulência: a Reforma Protestante. Martinho Lutero, germânico, monge agostiniano e professor de teologia, insatisfeito com os alguns dogmas da igreja católica, mais precisamente com o comércio de indulgências,  escreveu suas famosas teses em 1517, as quais  foram condenadas pela Sorbonne em 1521. A reforma proposta era, acima de tudo,  um manifesto de cunho econômico, político e social, já que Lutero pregava a independência do poder de Roma. Baseado em seus postulados,  divulgou as escrituras sagradas, criou escolas dominicais onde as crianças eram alfabetizadas, e, o mais importante, traduziu a Bíblia para o alemão formando assim a língua alemã num momento em que Gutemberg inventava a imprensa; dessa maneira Lutero pode divulgar e possibilitar a leitura das Escrituras por qualquer cidadão em família, conseguindo assim maior amplitude da Reforma  e libertando os fiéis do jugo da  Igreja. Esta, indignada, exigiu retratação e diante de sua recusa  em retratar-se, excomungou-o. Carlos V, o imperador do Sacro Império Romano Germânico, condenou-o.

A Reforma Protestante representou um grande divisor de águas na França. Se por um lado o país  vinha enfrentando há muito tempo problemas com o Vaticano, por outro grande parte dos burgueses franceses aderiram à Reforma, o que lhes a possibilitava liberdade do controle do Estado e de suas relações com o Vaticano. Calvino, líder protestante, causava distúrbios de ordem religiosa que abalavam a nação francesa. Surgem os huguenotes protestantes – grupo de burgueses com maiores possibilidades econômicas e sociais, perfeitos para se tornarem bodes expiatórios numa situação miserável de um povo ignorante e manipulado pelo clero.

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No outro extremo da questão, Catarina de Médici, italiana, viúva do rei  Henrique II e mãe do futuro rei  Carlos IX não via com bons olhos a influência de setores protestantes da nobreza sobre seu filho. Ardilosa, nas festas do casamento de sua filha Marguerite de Valois, a famosa rainha Margot, com o protestante Henrique de Navarra, simulou aproximação entre católicos e protestantes  mas na verdade o que tinha em mente era a autorização do filho para o massacre dos huguenotes, fato que ocorreu na madrugada de 24 de agosto de 1572. Cerca de dois mil protestantes foram assassinados em Paris na terrivel  Noite de São Bartolomeu.

O que Catarina não imaginava é que mortos seus quatro filhos varões e sem mais herdeiros homens, a coroa passasse para o legítimo sucessor, Henrique de Navarra, seu genro protestante. Era a França, com sacrifícios, encontrando novo caminho na história.

 

Dores, lutas e o surgimento de Joana D’Arc

O problema da peste negra ou peste bubônica integrou a serie de acontecimentos que contribuíram para a crise da baixa Idade Média, ao lado das revoltas camponesas, da Guerra dos Cem Anos e do declínio da cavalaria medieval. A peste que dizimou um terço da população europeia teve origem no continente asiático e está relacionada às caravanas de comércio que vinham da Ásia através do Mar Mediterrâneo em navios infectados que aportavam em cidades costeiras como Gênova e Veneza. As precárias condições de higiene e habitação das cidades e vilas medievais deixavam as comunidades desprotegidas e faziam com que grandes centros comerciais europeus, inclusive os franceses, se tornassem ninhos perfeitos para ratos carregados de pulgas que transmitiam a peste bubônica, alastrando-se por quase todo o continente. As autoridades e o clero não tinham conhecimento das razões da doença e dos métodos de cura e assim, baseados em superstições, recomendavam restrição de banhos, expulsão de estrangeiros e judeus que migravam de um país para outro, um amontoado de boçalidades que só faziam aumentar o número de vítimas.

A França sofria todos os problemas decorrentes da epidemia da peste, enfrentava várias manifestações de mal-estar social, além da guerra sangrenta com a Inglaterra. Com a economia em frangalhos, os custos da guerra continuavam a se avolumar e, piorando a situação, durante o reinado de Carlos  VI, o rei inglês Henrique V invadiu a França, derrotou seu exército na Batalha de Azincourt e tomou o controle da maior parte do país.

A partir daí a Inglaterra exerceu grande domínio sobre a França e o delfim francês não mostrava a capacidade necessária para ser reconhecido como líder. A revitalização francesa só se iniciou com o surgimento de uma camponesa pobre e analfabeta, Joana D’Arc.

Joana nasceu por volta de 1412 em Domrémy, na região da Lorena. Religiosa, alegou em julgamento ouvir vozes divinas desde os treze anos. Inicialmente ficava amedrontada, mas como as vozes eram frequentes, entendeu serem mensagens para que ela empreendesse um levante capaz recuperar o domínio francês e fazer coroar o rei legítimo, Carlos, o delfim. Sentia-se  divinamente orientada pelas emanações, e movida pela fé e pela certeza de poder empreender um levante capaz de restabelecer a coroa da França,  não teve dúvidas em cortar seus cabelos, vestir-se como soldado e se dirigir a Vaucouleurs, para recorrer a Robert de Baudricourt, o capitão da guarnição francesa. Depois de insistentes pedidos e alegações durante quase um ano, Joana conseguiu que Baudricourt destacasse uma escolta para acompanhá-la  por longo percurso de possessões inglesas  até Chinon, onde estava  Carlos, o delfim da França.

Nessa altura dos acontecimentos Joana já dispunha de grande popularidade, mas o delfim,  inseguro e desconfiado, fez com que ela passasse por várias provas em Poitiers, inclusive interrogatórios e investigações. Ao final, convencido de sua coragem e determinação, autorizou-a a acompanhar as tropas que seguiam para Orléans, invadida pelos ingleses, a fim de libertar a cidade. O fato é que, lutando pessoalmente ou não, ela incentivou os soldados, participou de conselhos de guerra, e a partir daí o fervor patriótico e religioso reascendeu nas tropas com aproximadamente 4.000 homens. A vitória francesa se deu em 8 de maio de 1429.

Com a vitória em Orléans, Joana acompanhou Carlos até Reims, passando por caminhos difíceis, mas aí sua  fama já estava estabelecida em boa parte do território e despertava  temor e respeito. A coroação e consagração de Carlos VII se deu na Catedral de Reims  em 17 de julho de 1429, fato que foi assistido por Joana em posição privilegiada. Esses fatos reascenderam as esperanças dos franceses de se libertar dos ingleses e representaram a virada da Guerra dos Cem Anos.

Paris precisava ser libertada. Sempre participante, Joana  foi atingida por uma flecha numa das tentativas de libertar a cidade, o que  desestimulou o exército. Esse foi um dos fatos que fez com que o rei  batesse em retirada e não demonstrasse mais intenção de guerrear, mas sim de tentar uma vitória baseada em tratados de paz. Joana, por seu lado, continuou sua jornada, desta vez tentando libertar Compiègne, mas durante o ataque no Campo de Margny foi dominada e capturada. Presa logo a seguir, foi vendida aos ingleses  e encarcerada em cela escura.

O processo contra Joana D’Arc começou em 9 de janeiro de 1431, chefiado pelo bispo Pierre Cauchon e desse dia em diante começou seu martírio de cárceres e interrogatórios num processo que passou à posteridade. A tudo respondeu com voz firme e palavras claras, mas mesmo assim,  depois de longa agonia foi condenada pela Igreja por heresia e impiedade. Tornou-se bruxa e blasfema, o que configurou  a necessidade de se ocultar o significado político de sua condenação. Aos 30 de maio de 1431,  foi queimada viva em Rouen.

Martir pela Pátria e pela Fé,  Joana D’Arc  foi  considerada inocente pelo papa Calisto III em 1456. Em 1909 a Igreja Católica autorizou sua beatificação. Em 1920 foi canonizada pelo papa Bento XV. É a santa padroeira da França.

A Guerra dos Cem Anos acabou em 1453, mas o tratado de paz só foi assinado em 1475. E Paris foi retomando seu ritmo de vida…

 

Os Templários e o Embate com Felipe o Belo

Paralelamente a todos os conhecimentos provindos das catedrais e da Universidade de Paris,  formava-se  na França uma ordem militar e religiosa de cavalaria – os Cavaleiros Templários . Originalmente tinham o propósito  de proteger e lutar pelos os cristãos nas Cruzadas, aquelas guerras proclamadas pelo papa em defesa da cristandade e travadas como se fossem iniciativas de Cristo para recuperar as regiões cristãs invadidas pelos mouros.

Devidamente aprovada pelo papa, a Ordem dos Cavaleiros Templários ganhou isenções e privilégios, dentre os quais comunicar-se diretamente com ele,  sem a necessidade de negociações com o rei. Seus membros faziam voto de pobreza e castidade e assim tornavam-se monges, eram austeros e defendiam os cristãos com bravura nas peregrinações à Terra Santa. Elevaram a ordem a ponto de torna-la uma das favoritas da cristandade, crescendo rapidamente em membros e em poder. Altamente qualificados,  os habilitados para combate seguiam com as Cruzadas, e aqueles que demonstravam outras qualidades, como capacidade de administração e tino financeiro, geriam a estrutura econômica,  inovando técnicas financeiras que viriam a se constituir no embrião do sistema bancário.

Com o passar do tempo, cada vez mais ricos e poderosos, estabeleceram  grande rede de influência na Europa. Entretanto, com a derrota da última Cruzada, quando os muçulmanos conquistaram a última cidade cristã na Terra Santa, o poder dos Templários  foi abalado. O rei da França, Felipe o Belo, descontente e endividado começou a persegui-los, já que  medidas anteriores como desvalorização da moeda entre 1290 a 1309, perseguição aos judeus tomando-lhes  bens e expulsando-os dos territórios franceses e confisco  dos bens dos banqueiros lombardos e de alguns de abades,  mostraram-se insuficientes.

O poderoso Felipe, rígido, severo e   solene, entrou em conflito com o clero, particularmente com o papa Bonifacio VIII, quando lançou impostos sobre a igreja, iniciando aí sério conflito com o papado. Depois de muitas discussões, com idas e vindas de ambas as partes, Bonifácio VIII compôs uma bula declarando superioridade do poder espiritual sobre o poder temporal, e por consequência a superioridade do papa sobre os reis. Ou seja, a instauração da teocracia em toda a Europa. Felipe o Belo reagiu energicamente, e ameaçado de excomunhão pelo papa,  enviou seu conselheiro Guilherme de Nogaret com escolta armada até Roma com a finalidade de prende-lo e levá-lo a julgamento. Foi o atentado de Anagni, um dos grandes escândalos do reinado: o papa foi esbofeteado, caiu, a violência perturbou-o mentalmente e morreu logo a seguir.

Num clima conturbado o novo papa, Clemente V, de origem francesa, foi induzido pelo rei a morar em Avignon e não em Roma, dando origem ao Cisma de Avignon, quando duas facções da igreja católica  dividiram o clero. A Europa, então, se deparou com dois papas: um em  Roma e outro francês em Avignon.

Felipe o Belo, com graves problemas de caixa, aliou-se ao papa Clemente V e para conseguir desbancar e confiscar os bens  dos Templários e também para livrar-se desse incômodo poder paralelo; para isso  valeu-se  da estratégia do descrédito e da heresia. Conseguiu a prisão de centenas de cavaleiros  em toda França, colocou-os em masmorras e submeteu-os a grandes  torturas para confessar heresia. Julgados e entregues aos inquisidores dominicanos, os monges  foram condenados à fogueira pelo tribunal da Inquisição pelos crimes de heresia, apostasia, idolatria e sodomia. O papa Clemente V extinguiu a ordem, retirou a proteção do clero e anulou o estatuto eclesiástico dos Cavaleiros Templários. Com isso, Felipe se apoderou das riquezas confiscadas  e acabou com o sistema bancário monástico.

Martyr Molay
1314, Jacques de Molay (c. 1244 – 1314), the 23rd and Last Grand Master of the Knights Templar, is lead to the stake to burn for heresy. He is shouting to Pope Clement and King Philip that they will face ‘a tribunal with God’ within a year. They both died soon (Photo by Hulton Archive/Getty Images)

Em 1314 o último grão mestre Jacques de Molay, como os demais monges templários, foi queimado vivo em praça pública de Paris (hoje Place Dauphine). Enquanto ardia, Jacques lançou uma maldição sobre o rei, o papa e o conselheiro Guilherme de Nogaret. Afirmou que os três seriam convocados perante o tribunal de Deus no prazo de um ano e também que a dinastia dos Capetos se extinguiria sem descendentes.

Acredite-se ou não, o fato é que os três morreram no prazo de um ano e a descendência dos capetos não prosperou. Felipe o Belo tinha quatro filhos, sendo três homens e uma mulher, Isabel, casada com o herdeiro do trono da Inglaterra. Seus filhos varões foram publicamente traídos quando suas mulheres  se envolveram em escândalo de adultério no célebre caso da Torre de Nesle, crime esse de lesa-magestade que, mesmo com a condenação e morte dos amantes em praça pública, marcou a história da França com graves consequências na linha sucessória do trono.  A coroa ficou desacreditada, o que condicionou os reinados dos três filhos do rei até  1328 quando da morte de Carlos IV, o último filho que morreu sem descendente do sexo masculino.  Ancorados na lei sálica que consagrava a progenitura masculina e eliminava as mulheres da ordem de sucessão, a coroa passou para o irmão de Felipe o Belo, Carlos de Valois, que deu inicio à próxima dinastia francesa. Essa sucessão foi contestada energicamente por Eduardo III, rei da Inglaterra, casado com Isabel, filha do rei. Estava lançada a semente da Guerra dos Cem Anos travada entre França e Inglaterra.

Em 1414 o Concílio de Constança resolveu o problema do papado e a sede do poder eclesiástico voltou para Roma. O coração de Felipe o Belo foi transportado para o Mosteiro de Poissy, assim como também a cruz dos Templários, e lá permaneceu até 1695, quando um raio atingiu a igreja e o mosteiro, destruindo a cruz e o coração do rei. Sua sepultura em Saint Denis foi profanada na Revolução Francesa.

Moral da história: Todo cuidado é pouco. Grandes atos têm grandes consequências!

Desenvolvimento da Civilização Francesa

Carlos Magno representou um  momento  importantíssimo na construção da civilização francesa. Consolidou o sistema feudal e sob seu poder, a agricultura, o comércio e a economia elevaram o cenário  de prosperidade da região. Com o estabelecimento da educação formal nos colégios teológicos, dentro dos mosteiros,desenvolveu a cultura,  configurando a característica primeira da civilização francesa, que é o diálogo entre o poder e o povo.

No começo do século IX Paris se expandia nos dois lados do Sena. Entretanto, tal prosperidade se tornou objeto de cobiça e ataque dos normandos e os herdeiros de Carlos Magno não souberam dar continuidade ao seu legado, tampouco administrar o reinado.

Por volta do ano 1000 Paris era tão suja e desprotegida , que os detritos eram jogados nas ruas e o mal cheiro era insuportável. A cidade foi deixada à própria sorte e sujeita ao ataque dos normandos que subiam o Sena e praticavam toda espécie de pilhagem. Nessa época, Paris foi tão desrespeitada ,invadida e pilhada que se limitou à Île de La Cité. Os normandos, depois de muitas lutas,  só deram trégua quando parte da França foi-lhes concedida. Conseguiram parte do norte da França, o que hoje chamamos de  Normandia.

A França, nesse tempo, era composta por vários ducados reunidos sob a tutela de um herdeiro de rico nobre francês: Hugo Capeto,  que foi eleito rei. Com a dinastia dos capetos houve a retomada de Paris, mais atenção, e consequentemente um  desenvolvimento comercial e urbano; a partir daí os monarcas puderam administrar uma região mais próspera graças à nova rédea, ao comercio fluvial e aos  impostos recolhidos.

A seguir, com o reinado de  Felipe Augusto, Paris se tornou um dos principais centros comerciais e culturais da era medieval. Felipe mandou construir a muralha de proteção da cidade, a fortaleza do Louvre, o mercado Les Halles, além de mandar asfaltar a cidade para acabar com o mau cheiro. Em 1163 começou a construção da catedral Notre Dame.

Seguindo a tradição de Carlos Magno, o ensino continuava ministrado por renomados  religiosos. A catedral Notre Dame, mesmo inacabada, começou a receber alunos, muitos alunos, o que fez com que  ela sozinha se tornasse insuficiente para atender a demanda. Dessa maneira, o clero autorizou que competentes  professores particulares abrissem escolas ao redor da catedral. Assim surgiu a Universidade de Paris – um conjunto de mestres e estudantes congregados na mesma escola e ligados pelos mesmos interesses culturais. Entretanto, esses mestres eram nomeados pelo bispo que também controlava o ensino. Dessa maneira, provavelmente insatisfeitos, os mestres resolveram se reunir e se associar numa corporação, a “Universitas”, que chamaríamos hoje de sindicato dos mestres. Foi da sua representação perante a Igreja e o governo  que surgiu a figura do reitor, e das novas necessidades tanto  disciplinares como  práticas   surgiram as escolas maiores –  faculdades ou colégios -, sempre ao redor da catedral Notre Dame de Paris. O mais famoso colégio de Paris foi fundado pelo teólogo Sorbon em 1257 e se tornou palco de grandes estudos e debates teológicos a ponto de tornar a Sorbone quase sinônimo da Universidade de Paris.

sorbonne

Esse centro de estudos ficou dividido em quatro faculdades: Teologia, Direito Canônico, Medicina e Artes. Recebeu Abelardo, o grande intelectual da Idade Média, que  ensinou  e com sua fama atraiu  milhares de estudantes, e as ordens Dominicana e Franciscana com seus ensinamentos teológicos da cultura. Também lecionaram lá Alexandre de Hales, São Boaventura, Santo Alberto Magno e o grande São Tomás de Aquino.

A São Tomás de Aquino deve-se a Suma Teológica,  maior exemplo da escolástica. Por escolástica entende-se o método de conciliar a fé cristã com o pensamento racional. Explico: o método desenvolvido por Tomás de Aquino e acadêmicos das escolas medievais  ousava discutir e responder às exigências da fé e do pensamento conservador de Santo Agostinho, que subordinava a razão  à fé ensinada nas Igrejas, em vigor  em toda a Europa. Tomás de Aquino introduziu o aprofundamento da filosofia na fé, conciliando as teorias de Platão e Aristóteles com os valores espirituais cristãos. A partir daí,  tudo foi reinterpretado pelo ocidente cristão. Não é pouco. Foi nesse caldo acadêmico que se vislumbrou a possibilidade de o homem pensar levando em conta vários fatores e não só os pregados nos ofícios religiosos. Mais tarde, o preço a ser pago foi alto, mas a semente do livre pensar estava semeada nos limites da Universidade de Paris.

Os Carolíngios e o império de Carlos Magno

A partir do momento em que Pepino foi coroado e consagrado pela Santa Igreja Católica jurando lealdade, enfrentando desafios políticos, guerreando, negociando, oferecendo benesses e superando obstáculos, o papa deu seu parecer favorável à mudança de dinastia, a carolíngia. É o início de longa colaboração da Igreja com o poder da França.

Pepino foi casado com Berta de Laon e com ela gerou oito filhos. O mais velho, Carlos, tornou-se rei aos 26 anos, é considerado o mais importante dos reis francos e o esplendor da dinastia carolíngia. Conhecido como Carlos Magno era imponente, guerreiro, estadista vigoroso, encantador e simpático. Nadava e caçava; em cima de seu cavalo  inspecionava suas terras e alargava fronteiras.

Adotou uma política voltada para o expansionismo militar e organizou um exercito forte constituído por  soldados,  grandes proprietários de terras e  seus camponeses equipados para guerra.   Nas regiões conquistadas forçava  os derrotados a aceitar o Cristianismo, mandando, vez por outra, eliminar quem se negasse a professar sua fé. Nos novos domínios mandava construir fortalezas e igrejas em volta das quais organizavam-se vilas que posteriormente eram ligadas por estradas. As fortalezas dos nobres mais importantes ficavam em posições estratégicas de maneira que em caso de ameaça externa os camponeses pudessem buscar segurança e ajudar na defesa.

 Carlos Magno ambicionava a unificação do ocidente e conferiu unidade aos seus domínios sem nunca descuidar de suas conquistas. Concedeu grandes extensões de terra aos nobres que o apoiavam política e militarmente e para facilitar a administração do território  dividiu as regiões em ducados, condados, e outros sítios tantos administrados por nobres. Eram sistematicamente inspecionados pelos assistentes, os “missi dominici”, que verificavam a aplicação das leis, pagamentos de impostos e todos os assuntos locais de interesse do rei. Seu governo não tinha sede fixa; viajava de um lugar para  outro sempre acompanhado por  familiares, membros do clero e  os “missi dominici”.

Conquistou o que chamamos hoje de Alemanha, França, norte da Espanha e grande parte da Itália, sempre lutando contra os bizantinos que não o aceitavam. Sob seu poder, a agricultura, o comercio e a economia prosperaram e se tornaram objeto de cobiça dos demais povos da Europa. Originou o sistema feudal concedendo extensas propriedades aos nobres importantes que as distribuíam entre os senhores de menor importância – os vassalos – que por sua vez juravam fidelidade ao senhor e serviam como cavaleiros em épocas de conflito. Dependiam  dos camponeses para cultivar a terra, criar porcos, rachar lenha, fazer pão e cerveja, trabalhar na construção de estradas e muralhas e enriqueciam cobrando pedágio, taxas e produtos gerados pelo trabalho servil. Com essa riqueza os vassalos tinham possibilidade de adquirir montarias e armaduras para servir e defender o rei… Para sobreviver,  os camponeses acumulavam muitas dívidas junto aos senhores e raramente conseguiam saldá-las e se libertar. Só lhes restava o consolo da religião.

Apesar de semianalfabeto, Carlos Magno  sempre respeitou a cultura e  incentivou a fundação de escolas em catedrais, mosteiros  e nas   cortes . Nomeou um monge para desenvolver um projeto escolar, cujo objetivo principal era a manutenção dos conhecimentos clássicos gregos e romanos; dessa forma, as  escolas ensinavam as artes liberais – o trivium (gramática, retórica e dialética) e o quadrivium (aritmética, geometria, astronomia e música) e eram frequentadas sem distinção de tratamento por filhos de nobres e filhos de plebeus. Além disso, criou atmosfera propícia para o trabalho dos artesãos. Exigia funcionários instruídos para ler os textos oficiais redigidos em latim, já que  mas só  bem mais velho aprendeu a ler. No seu reinado o latim vulgar passou a ser a segunda língua, mas foi substituído gradualmente por outras línguas de comunidades locais, sobretudo o provençal.

Sua  ligação  com a Igreja foi tão forte que ele defendeu Roma contra os nobres que se opunham ao papa. Dessa maneira, no Natal de 800 o papa Leão III o  recompensou com o título de Imperador do Sacro Império Romano Germânico e o sagrou na Catedral de São Pedro, em Roma. Os bizantinos só reconheceram a sagração em 812.

Carlos Magno representa o segundo momento mais importante da construção da civilização francesa. Apesar de guerreiro enérgico e por vezes cruel, seu reinado enriqueceu a França principalmente com cultura, culto à língua e diálogo entre o poder e o povo. Entretanto, com sua morte, seus domínios fragmentaram-se em pequenos reinos. Seus descendentes não tinham a mesma habilidade para governar e a Europa voltou a ser um conjunto de diversos principados.

Sempre que se pensa em cultura e saber a França aparece como cenário principal. Sem querer, se pensa em Carlos Magno!

 

Os francos e a era merovíngia

A Gália sempre conviveu com diversos grupos bárbaros sem ter desejos de separação. Com a decadência do Império Romano, os povos do norte e nordeste da Europa penetraram na Gália e em 406 esse movimento se converteu em invasão quando vândalos, suevos e alanos atravessaram a fronteira e se espalharam pelo território. Germânicos, godos, visigodos levaram sua cultura para lá, mas o mundo galo-romano já estava solidificado e sua cultura entranhada na região.

Surge um germânico, Clovis, da tribo dos francos sálios, que reune e conquista  as tribos francas vizinhas e se estabelece como rei sem grandes conflitos. Encerra o controle romano na região de Paris e expande seu reino até os Pirineus. Surge aí a França, a primeira noção de pais da humanidade, desenhada por Clovis . Diz  a lenda que  a jovem Genevière, o teria apoiado  na conquista de Paris e da Gália, e o fato é que ela se tornou Santa Genoveva, é padroeira de Paris e a colina onde fica o Panthéon tem seu nome.

Clovis I iniciou na França a dinastia merovíngia. Casou-se com a cristã Clotilde da Borgonha e por seu intermédio, percebendo que a Igreja já estava na raiz daquele povo segundo uns, ou então para se unir  ao poder da Igreja  para outros, converteu-se ao Cristianismo  estabelecido pelo imperador romano Constantino  no concílio de Niceia. Entretanto, a conversão não o impediu de exterminar arianos,  cátaros e  albigenses. Livre de hereges, a França foi  a primeira unidade cristã da Europa.

Com a morte de Clovis seus filhos continuaram expandindo o território, mas, segundo os costumes franceses todas as possessões reais, inclusive o título real, deveriam ser divididas entre os filhos do rei . Esse fato desencadeou um período confuso com confrontos pela posse da coroa, grande desunião, e culminou com a guerra civil do século VI. A dinastia merovíngia perdeu muita força quando mortes prematuras levaram ao poder menores de idade com pouca autoridade e despreparados emocional e administrativamente. É aí que surge espaço para a ascensão dos administradores de palácios, com poderes  de superintendentes de estado.

Carlos Martelo era filho de Pepino de Herstal, um administrador de palácio. Ele também se tornou um administrador tão importante a ponto de lutar e vencer muitas batalhas e estabelecer padrões militares no reino. Nos tempos do século VI os muçulmanos conquistaram a Península Ibérica e já estavam invadindo os territórios francos. Carlos Martelo lutou e  os venceu na célebre Batalha de Poitiers, o que foi decisivo para conter a expansão islâmica nas fronteiras francesas. Com suas vitórias seu nome foi consagrado e a partir delas ele  tomou as rédeas da totalidade do reino a ponto de ser condecorado pelo papa como herói da cristandade. Ele nunca se  preocupou com títulos; seu interesse era o  poder.

Na alta Idade Média faltava  liderança aos  legítimos reis francos, o que permitia a atuação efetiva dos administradores ou prefeitos de palácio,  verdadeiros líderes, e da poderosa Igreja. Com a morte do enérgico Carlos Martelo em 741, o poder foi transmitido aos seus dois filhos  Carlomano e Pepino, que continuaram lutando pela estabilidade do território.

A certa altura da vida Carlomano  retirou-se para um monastério e deixou a França nas mãos de Pepino como prefeito do palácio único “dux et  princeps Francorum”, ou seja, comandante dos exércitos do reino com as responsabilidades administrativas  do palácio, e também o poder sobre toda a nobreza. Era o poder de fato, que, segundo o papa era mais valioso do que o poder de jure. Convenhamos:  só faltava colocar a coroa na cabeça.

E assim foi feito. Pepino, o breve, decidiu que era o momento de fazer o que seu pai nunca se incomodou em fazer: tornar a autoridade real tanto de fato como de direito. E foi com o beneplácito da Igreja que ele foi eleito rei numa assembleia de líderes francos. Proclamado, foi coroado em Soissons mesmo sem a legitimidade da dinastia merovíngia. A relações com a Igreja e as doações de terra, os acordos, tudo foi tão significativo que Pepino  foi novamente coroado e ungido na Basílica de Saint Denis. O pobre rei merovíngio Childerico III foi deposto, teve seus cabelos cortados e o confinaram num monastério.

A ligação de Pepino com a Igreja foi tão efetiva que ele investiu contra os inimigos do papa e expulsou de Roma os lombardos que ainda não haviam se convertido à religião cristã; além disso, concedeu ao papa Estevão II uma vasta faixa de terra na região central da península itálica, o que aproximou mais ainda Roma dos francos e reforçou o poder do papado.  Pepino, o breve, honrou a herança de seu pai e iniciou nova dinastia na França: a dos carolíngios. Reinou de 751 até 768.

Pensando bem, os caminhos do poder são sempre os mesmos e inebriam. Interesses, concessões, violência, intolerância de credo e crimes no subsolo do poder não são atributos da pós modernidade. Veem de longe…