Alguma coisa sobre a história da gastronomia

Resenha de curso de Mariana Muniz

A antiga Grécia era formada parte pelo continente e parte por muitas ilhas na vizinhança. Com solo seco e pedregoso, o povo, com dificuldade de locomoção, vivia sempre no mesmo lugar e com vida igualitária. Seu conceito de pátria carregava o vínculo entre civilização e domínio sobre a terra. Os juramentos gregos previam que a pátria seria a terra onde “crescem o trigo, a vinha e a oliveira” e assim, onde quer que se estabelecessem, essas plantas e árvores seriam cultivadas e floresceria a civilização. Dessa maneira, alimentavam-se principalmente com o triângulo pão/vinho/azeite.

pão

Para o grego tudo deveria ser feito pelo homem, e, portanto, o homem civilizado deveria fazer seu pão, como símbolo absoluto da civilização, da distinção entre o homem e o animal. Não comiam apenas por fome, mas para transformar essa ocasião em momento de socialização. A alimentação era frugal e sóbria, juntamente com exercícios físicos para proporcionar saúde. Comiam também cereais como fava, cevada, grão de bico, lentilha, ervilha, além do alho, alho poro, cebola, alface, azeitona, figo, uva passa, tâmara e romã. Entretanto não davam importância às sopas e às papas , o que, para eles, representava alimento dos pobres.

 

A agricultura os distinguia dos bárbaros. Eram caçadores, mas não consideravam a carne um bem primordial como os alimentos da terra. Bebiam muito vinho no symposium, manifestação importante da coesão social e da civilização, onde se reuniam e discutiam os problemas da vida e, inclusive, onde Platão escreveu algumas de suas obras. Lá celebravam a sacralidade do vinho produzindo embriaguez e favorecendo o contato com Dionísio e o divino. Faziam orgias, exorbitavam, e assim surge a necessidade de misturar água ao vinho. Dessa maneira continuavam usufruindo as delícias da bebida, porém de forma mais branda. Na ânfora guardavam o vinho e na hídria a água, misturando as bebidas de acordo com as necessidades e o gosto do anfitrião.

As receitas eram simples, porém usando os melhores ingredientes. Por volta de 50 AC, com as conquistas de Alexandre o Grande, surge a Dietética de Hipócrates, já visando equilíbrio na alimentação e fundamental na cultura alimentar e gastronômica da Antiguidade.

Quando Roma toma a Grécia, incorpora o que é grego, mas com visão mais abrangente. Na república romana as mulheres participavam das refeições no convivium, onde se relacionavam e discutiam seus problemas. Eram caçadores mas a carne de boi raramente aparecia na mesa; davam preferência ao porco, lebre, perdiz e codorna. Peixe era alimento dos mais pobres, principalmente a sardinha. As receitas da elite eram sofisticadas e para tanto usavam animais e ingredientes bizarros; quanto mais bizarros mais impressionavam seus convidados. Com suas conquistas foram incorporando os hábitos alimentares dos povos colonizados.

Em 800 DC Carlos Magno unificou a Europa e adotou o Cristianismo instituído por Constantino. Daí surge a ideia de ignorar-se a matéria dando-se ênfase à alma. Dessa maneira, todas as delícias ficam para a alma, após a morte, desde que sem pecado. Para ignorar o corpo e sofrer visando à recompensa divina, surge o jejum. A carne e o vinho foram proibidos, porém legumes, frutas e peixe liberados, daí a ideia de deixar-se de lado o que não provém da carne, como sendo comida ruim e sem gosto.

Na era medieval acontecem as invasões bárbaras, com os francos, godos, visigodos e vickings encontrando brechas . É o tempo da supremacia da Igreja, onde a fé está em primeiro lugar e a vida é voltada para Deus e para o além. Surgem os feudos com a comida de caldeirão sem requinte, já que a ênfase dos senhores feudais, que não tinham como se divertir e gastar dinheiro, era alimentar o povo e seus guerreiros.

Com as Cruzadas, os cristãos se deparam com o Império Bizantino que, além de evoluído e culto, lia Platão e era bem alimentado. Usavam especiarias para dar sabor sofisticado às receitas. Daí surgem as rotas de vendas de especiarias nos portos de Gênova e Veneza e dessa maneira os ricos senhores feudais encontram onde empregar seu dinheiro: banquetes medievais com enorme quantidade de comida.

Com a mistura de civilizações surgem as doenças e em 1315 acontece a grande fome, quando a Europa esfriou, prejudicando a colheita e matando dez por cento da população.

Em 1347 surge a peste negra provinda da pulga dos ratos que infestavam as embarcações de comércio e com isso 40% da população foi dizimada.

Com a escassez da população e consequentemente da mão de obra, o preço da terra caiu e o trabalho aumentou. É o germe da classe média, dos burgos, e o fim do feudalismo.
Depois de todo sofrimento e desilusão do povo europeu, surge a centelha do humanismo, do individualismo, da noção de voltar-se para si e para a vida, deixando a Igreja e a fé de lado. É a passagem da Idade Média para a Idade Moderna e o surgimento do Renascimento, um tempo onde os acadêmicos voltam a se interessar pelos textos clássicos, latim e grego dos tempos anteriores ao Cristianismo, portanto um movimento que nega os valores medievais influenciados pela Igreja. Além disso, as grandes navegações e o enriquecimento europeu com base na exploração mercantilista das colônias gera uma gama de burgueses poderosos e de interesse pela civilização clássica ao invés da medieval, que para eles estava associada ao barbarismo, ignorância e escuridão. Esse movimento surge primeiramente na Itália, o centro comercial e cultural da Europa daquele período, onde acontece a vida urbana e a sociedade de classes. É uma nova atitude diante da vida tanto na ciência como nas artes e na sociedade.

No que se refere à gastronomia, mudam os hábitos à mesa. Como as ideias renascentistas rompem com os padrões medievais, a partir daí nega-se a ostentação dos banquetes, acontece a valorização da qualidade ao invés da quantidade e o refinamento como forma de prazer. A Itália era o centro do mundo econômico e como tal recebia pessoas e produtos de toda parte. Desse modo, sofreu e irradiou influência determinando um padrão de refinamento à mesa do mundo ocidental. Implementou o uso do garfo, dos aparelhos de jantar, das peças finas e bem acabadas em metais preciosos, toalhas de linho ricamente bordadas, porcelanas e faianças, além de inventar o guardanapo.
Como o domínio de todo conhecimento era a ambição do homem renascentista, até Leonardo Da Vinci, pintor, escultor, inventor, cientista e gourmet vegetariano foi sócio de uma taberna em Florença e recomendava porções moderadas, com equilíbrio dos ingredientes e cardápio baseado em verduras e legumes.
Em 1450 Gutemberg inventa a imprensa e a partir daí, confirmada a importância e o interesse pelo alimento, surgem os livros de receitas culinárias . Essa atividade editorial, além de contar com as receitas tradicionais é um manual de boas maneiras.
Há que se convir que ainda perdurava, em parte, a inspiração medieval e desse modo muitos chefs reelaboraram a preparação dos pratos, desenvolvendo uma cozinha fina, e rica , usando, por exemplo, as carnes de boi, vitela e novilho cortadas para embelezar os pratos e garantir delicadeza, e também peixes, aves e ovas, aproveitando tudo e transformando os alimentos em iguarias gastronômicas refinadas. Tudo é aproveitado para embelezar o prato; o uso de especiarias fica atenuado e a grande novidade do período é o açúcar. O gosto dominante passa a ser o doce, como um elemento de distinção social para a sociedade da corte, ligado à ostentação.

A herança medieval traz os guisados – antecipadamente fervidos para amaciar a carne -, massas recheadas, tortas e pasteis, além da cobertura de molhos; tudo é revisto, modificado e embelezado, como as massas por exemplo, agora por camadas. Verduras, legumes e saladas são introduzidos, frutas e cítricos são usados como elementos aromatizantes básicos. Frutas in natura adquirem posição relevante, servidas como entrada ou salada.
Do começo da agricultura até a Revolução Industrial há um tempo aproximado de 10.000 anos. Da Revolução Industrial para cá apenas 250 anos, e, nesse tempo, segundo Thomas Malthus (economista/1790) temos uma sociedade onde a população cresce geometricamente e os recursos naturais aritmeticamente.
A Inglaterra do século XVIII cria a Revolução Industrial que faz surgir máquinas e a divisão do trabalho. Consequentemente, em vista da necessidade de mão de obra, ocorre êxodo rural. No lugar de camponeses trabalhando e produzindo na terra, surge o pasto de ovelhas. O povo – proletariado – passa a trabalhar nas minas e nas fábricas, o carvão vira fonte de energia ao invés da lenha e da água e, em decorrência, a Inglaterra começa a importar alimentos.

O combustível do operário, antes fruto da terra, passa a ser o açúcar, que rende mais que o trigo. Em decorrência o pasto de trigo passa a ser a Irlanda onde a batata também é plantada em pequenos espaços para alimentar os operários. Entretanto, com a grande praga da Irlanda de 1845, as plantações de batata são contaminadas, trazendo muitas dificuldades.

Surgem as ferrovias, a eletricidade, a pasteurização, a geladeira e a partir daí as grandes inovações no comércio e na industria.
Um dos grandes fracassos da Primeira Grande Guerra foi a alimentação. Na emergência da Segunda Grande Guerra as industrias alimentares se mobilizaram para organizar práticas porções individuais que pudessem ser transportadas e armazenadas com facilidade, e assim surgem os alimentos enlatados. Entretanto, no final da guerra, o que fazer com o investimento aplicado na nova tecnologia? Introduzir esse hábito na população! E assim, com a criação de mega empresas globais, restou para os homens a homogenização do paladar. Made in USA.